Não sei sentir bonito a minha dor, não sei senti-la leve. Tampouco sei o que fazer com ela, dor que não se transforma, que só desaparece, reaparece, se renova. Porém sei o que desejo. Desejo dividi-la, dor que é só minha. Não. Dividir não. Ela é só minha e compreensão não bastaria. Quero mesmo incorporá-la, espalhá-la e empestar tudo de seu cinza. Se ela não se transforma, pois bem: tudo se transformaria então nela, até que nada restasse fora de sua lógica unívoca.
20.6.09
Não sei sentir bonito a minha dor, não sei senti-la leve. Tampouco sei o que fazer com ela, dor que não se transforma, que só desaparece, reaparece, se renova. Porém sei o que desejo. Desejo dividi-la, dor que é só minha. Não. Dividir não. Ela é só minha e compreensão não bastaria. Quero mesmo incorporá-la, espalhá-la e empestar tudo de seu cinza. Se ela não se transforma, pois bem: tudo se transformaria então nela, até que nada restasse fora de sua lógica unívoca.
8.6.09
3.6.09
O que me mostram os insetos
"Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la." Clarice.
O micro e o nano me fascinam. Dá pra perceber, né? A imagem de entrada do blog é linda, não é? É do pesquisador Michael Oliveri, fotógrafo do nanomundo, que gentilmente me deu a autorização de usar a imagem aqui. Preste bem atenção na imagem... ela lembra o quê?
Menos longe com a lente de aumento, tive uma experiência particular com insetos. Aconteceu quando estava numa cidade do interior do Ceará, no início deste ano. Segue o relato:
No curto e solitário trajeto da parada de ônibus ao hotel, na inocente penumbra da madrugada, cruzei com uma aranha caranguejeira. Ela caminhava despreocupadamente diante da casa amarela que antecede a pousada. A raridade da luz não permitiu que eu identificasse logo o que se deslocava mansamente, e com propriedade, entre um jarro e outro de flores que se dispunham alegremente na calçada da vizinha. Era do tamanho de um rato, mas caminhava sem pressa naquele território que era seu. Ao identificá-la, não me atrevi a sentir medo, apenas a respeitei sem qualquer alarde, nem mesmo íntimo. Continuei meu caminho. O medo esperou pra se manifestar quando tirei um cochilo, em forma de sonhos (que não se fizeram pesadelos, como costuma me acontecer). Interpretações à parte, no sonho, eu enfrentava duas delas no chuveiro atacando-as com aquela água congelante em que sou forçada pela manhã. Duas horas mais tarde, após contar o caso pra dona da pousada (ocultando a parte do sonho, claro), e enquanto eu catava dois desesperados besourinhos que haviam migrado a contragosto deles e meu do açúcar pro meu café com leite, eu tomaria conhecimento de que, aqui, aranhas caranguejeiras são denominadas simplesmente “caranguejos”, e que eles “avisam chuva”. Mas não creia que a pequena fauna deste município se manifesta aos forasteiros aos poucos. Ora, se na semana passada tentei inutilmente me contrapor à invasão das formigas voadoras com uma armadilha improvisada, hoje a área de refeições da pousada recebeu uma generosa visita de moscas: mosquinhas, moscozotes e moscoilas bem negras, decididas e brilhantes. Se eu demorasse mais a tomar a atitude de cobrir meu copo cheio, teria perdido a chance de experimentar o suco de manga. Algumas horas mais tarde, ficaria sabendo empiricamente que o mesmo acontecia também em vários pontos da cidade: enquanto “subíamos a ladeira” depois da aula, eu e mais duas alunas tivemos que atravessar uma inflexível nuvem delas que se dispunham em frente à prefeitura. Semana passada elas eram raras, apesar de que uma, meio transtornada, e por pura infelicidade dela e minha, foi encontrar o fim de seus dias no restinho do meu almoço, na verdade um caldinho. Enquanto eu me levantei para me munir de uma colher, a danada foi mais ligeira, e na sua insanidade suicida, foi ao encontro do meu caldo de picadinho de carne e feijão. Minha amadora inspeção já permitiu apressar um dado: que os insetos que vivem nesta cidade não se mostraram, em nenhum momento, fugidios, neuróticos, tampouco inseguros de frequentar os espaços públicos ou privados do meio. Nota: alguns aceitam a expulsão com resignação, ao passo que outros não arredam o pé de onde estão. Mas todos ensinaram-me que aqui é lugar pra eles, talvez pra outros, mas, quem sabe, pra mim. Quem sabe. Que vida, essa. Já estava tendo dificuldade em aceitar a idéia de que sou uma partícula de um grão de areia no universo humano, e agora mais essa. E por fim, ao que parece, eles sabem “avisar”. A chuva ainda não veio. Certamente os caranguejos avisam com certo prazo de antecedência. Depois posso relatar com precisão os números. Enquanto isso, fico me perguntando: quem será que se manifestará amanhã?