17.12.09

Quem diria...

O mundo dá voltas e as coisas voltam mesmo. Eu não era de desenhar inicial de nome, nem de encher caderno de corações. Aquelas frases que vinham no rodapé do papel de carta, no papel de dentro do Ice Kiss, e que as meninas copiavam de uma agenda pra outra, nunca faziam sentido pra mim. Baboseiras. E aqui estou eu, digo, 15 anos depois: aprendi o cabimento daquelas besteirinhas que hoje passeiam nos emails, assinadas assim: autor desconhecido. Porque os autores desconhecidos talvez não tiveram coragem de se entregar.

Mas não sou como um email, não tô só de passagem: fiquei paradona em você. Eu que sou a desconhecida: se tô longe de ti. E perdi a vergonha de dizer. Faço esse jogo bobo de palavras, porque sou boba por você. É fácil escrever, não preciso de fundamentos, nem nada inteligente. Porque complicado é te tirar da minha mente! O que você vai fazer comigo? Sou inteira tua, e sem ti não sou inteira.

Hoje você viajou, e eu fiquei viajando. Acumulei muita preguiça, invejando o ventilador que girava com precisão. Queria também uma corrente 220 pra movimentar minha cabeça desse lugar, e pensar em outra coisa. Enquanto isso, você guiando pro meu oposto, sem parar, pela estrada do algodão, pra chegar na hora do almoço.

Por falar em almoço, que gostoso foi ontem. Tão bom descobrir mais um pouco de você. Bom, e fiquei assim, cheia de ideias e frases, aquelas tipo perfeito encaixe no cabeçalho do orkut/msn, etc. Aquelas pra dizer pros outros que não, não é complexo dizer que tenho um grande amor. É assim mesmo. Mas que jeito de amar tapado! É ignorante, não enxerga o que está ao lado, desconhece alternativas. É assim.

E a gente faz brincadeira de gato e rato, ou de urso e... o outro bicho diretamente abaixo na cadeia alimentar. Você viajou pro sul do estado, e eu fiquei em casa viajando em baboseiras. E nós nos acabamos de saudades porque vamos passar oito dias longe.

16.10.09

Homenagem, duas em uma

Não é só por preguiça, mas a minha homenagem às crianças e aos professores pode ser uma só
Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois
É que as crianças e professores (os verdadeiros professores) que estão na minha vida, dão sentido e concretude às palavras de Mário Quitana. Em uma palavra: esperança. Não a mesma vendida pela Globo e afins, mas aquela de que fala Clarice Lispector

Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
- Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
- Ela quase não tem corpo, queixei-me.
- Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
- Ela é burrinha, comentou o menino.
- Sei disso, respondi um pouco trágica.
- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
- Sei, é assim mesmo.
- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
- Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
- Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
- É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
- Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.

25.9.09

Quente

Era alguma segunda ou quarta-feira durante as férias de meados da década de oitenta. Uma preguiça persistente exauria as forças, garganta arranhando um tanto apenas a ponto de incomodar. Fundo sonoro: péim-péim de construção no terreno vizinho, misturada à música quase inaudível da abertura da sessão da tarde e ao som do ventilador que espalhava o ar abafado do quarto. "Estou sentindo um quente", comentei com meus irmãos. Não conhecia nenhuma palavra pra definir o que estava sentindo e denominei aquilo de "um quente". Pegou. Até hoje usamos a palavra"quente" pra definir um sentimento que tem a ver com indolência e mau humor ou com uma leve angústia por estar fazendo ou ter que fazer uma coisa que não se quer e que, contraditoriamente, tem algo de cômico. Sentir quente de uma coisa não significa necessariamente que você não goste dela. É algo que ainda não consegui explicar. Exemplificar fica meio difícil, porque cada um sente quente por motivos diferentes. De qualquer modo, minha irmã propôs a mim e ao meu irmão que listássemos algumas coisas que nos dão quente. Eis o resultado parcial:

Ir ao Detran (em geral, ter que resolver qualquer coisa em repartição pública)
Fortal
Foto 3x4
Ir pra FashionRio provar farda do colégio. *FashioRio era (é?) a loja que vendia a maioria das fardas de colégios em Fortaleza. A visita à loja era sinal de que as férias estavam acabando. Meu irmão desenterrou essa.
As vozes: Galvão Bueno, João Inácio Jr., Samantha Marques e locutor da rádio 100
Alguns ex-colegas de trabalho
Kenny G, Air Suply, a música Hotel California
MPB ao vivo em barzinho tocada em teclado
Aquele parente chato que a mãe obrigava a visitar
Xuxa, Mara Maravilha, a música de abertura do Supercine, Rota 22, Barra Pesada, Gugu Liberato, Zorra total e os insuperáveis Domingão do Faustão e o antigo programa do finado Irapuã Lima, Chapolim, Sessão da tarde
Fórmula 1
Kolene, sabonetes Phebo e Senador
Forçação de barra com dinâmica de grupo.

16.9.09

A melhor fase da minha vida

Qual foi a melhor fase da minha vida?
Há muitos momentos que vivi, que só de lembrar já me emociono. Durante muitos anos de minha infância íamos à praia, toda a família. A ansiedade na época era por descobrir qual seria a próxima atividade: construir um castelo, quem sabe até um reino, ou então incorporar um golfinho perfurando as ondas do mar (ok, era sim bem ridículo! rsrs), cavar um buraco na areia até achar a água do mar, ou simplesmente comer caranguejo?
Outra lembrança que me traz saudades é quando nós irmãos nos reuníamos em cima da cama dos nossos pais, enquanto eles estavam no trabalho, pra simplesmente conversar. Muitas vezes a consequência era uma brincadeira e o resultado era quase inevitavelmente uma briga. Mas havia um limiar de cumplicidade. Só alguns casos eram levados à hierarquia (rsrs).
Tenho também memórias das minhas amigas de colégio, quando passeávamos pela cidade sem destino. Ah, e como sabíamos aproveitar as férias!
Mas então, qual foi a melhor fase da minha vida? O melhor ano que vivi? Afinal, as coisas mudaram, e não voltam mais. O jeito de ver o passado ou presente também mudou.
Mas a melhor fase da minha vida é sempre agora. E olha que sou o anti-exemplo de uma zen enraizada no presente. Ah quem dera eu soubesse deixar de lado ansiedades, os medos e as inseguranças. Sou simplesmente um fracasso em meditação. Mas ainda sim, o resultado final é que tenho a sorte de estar sempre vivendo a melhor fase agora. Pra isso, contribuem: uma boa dose de sorte, mais a família e agora os sobrinhos, mais as amizades que tenho a felicidade de manter desde a infância, mais as amizades não tão antigas, porém não menos profundas, mais o amor que vivo agora, e porque não, mais uma porção de jeito poliana de ser! (não é minha florzinha?, porque não um jeitinho poliana pra adocicar o negócio?)

19.8.09

Piti

Muitas de nós mulheres conhecemos (umas mais, outras menos) as consequências da oscilação hormonal, e damos os pitis nossos de cada dia... semana? mês? - humm, vai depender da singularidade de cada uma. Mas alguns homens também dão piti, e vou deixar o respeito à singularidade de lado pra me manifestar: gente, acho piti masculino muuuito feio. Nossa, é muito anticharme! Pra ser charmoso, nada de piti, e de quebra é até bom que ele ache nosso piti "até bonitinho". Vejam: claro que o homem se frustra. Chorar? Que problema há nisso? Já vi homens chorarem e se tornarem ainda mais charmosos. Lidar com as próprias emoções, eis a grande arte, seja pros setinha pra cima, como pras cruzinha pra baixo. Portanto, é importante fazermos algumas demarcações. Vamos logo a elas. Entendo piti como uma reação exagerada em comparação ao evento externo que a motivou. Observe que tornar a reação pública é fundamental para que o comportamento se classifique como piti. Se você se trancou no banheiro, deu seu chiliquezinho básico e ninguém ouviu, nem deu notícia, não foi um piti. Aqui no meu amado país, dar piti - precisamente por sua característica inerente de publicidade - muitas e muitas vezes torna-se a única forma de fazer valer um direito. Isso acontece muito na relação entre fornecedor-consumidor, entre instituição pública-cidadão, etc. Nesse caso, quando homens ou mulheres fazem aquela confusão numa loja ou repartição, o piti torna-se produtivo, e dou ponto pra quem armar o barraco! Na verdade, não seria nem piti, porque ninguém vira prum cidadão revoltado e diz: aff, que exagero! Mas eu disse que ia fazer as demarcações. Se eu fosse uma borboleta... iria ao dicionário! Então vejamos.
Piti vem de outra palavra: Pitiatismo. 1.Psiq. Designação dada por Joseph Babinski (1857-1932) aos distúrbios secundários da histeria, rigorosamente subordinados aos ditos primários.Piti, substantivo masculino, mas sua origem é feminina (histeria). Chorar, espernear, fazer aquela cena, só porque...
Bom, já disse: acho que pros marmanjos fica feio. Fica muito engraçado até. Seu Madruga personifica muito bem o argumento. Ou quer dizer que ficar pulando em cima do chapéu tem um quê de elegante? Há também os pitis que - ai - devem doer: murro na parede, na escrivaninha. Ou quando não encontra uma simples coisita - QUEM PEGOU MINHA CANETA FAVORITA? ONDE COLOCARAM MINHA CANETA AZUL PONTA GROSSA?- Nem preciso escrever aqui a merecida resposta...

11.8.09

Saudades

Tenho sentido muitas saudades. Saudades da minha irmã, dos meus sobrinhos, das minhas amigas de quem estou separada pelos quilômetros e pelas tarefas diárias, que impedem de nos encontrar, em alguns casos mais, em outros menos. Tenho sentido saudades do meu namorado, dos momentos que ainda não vivi, e (como já ouvi dizerem:) saudades dos filhos que não tenho. Sinto saudades de estar com meus irmãos nas manhãs da nossa infância.

Podem ser saudades com jeito até de sessão da tarde, podem ser, mas também com jeito do que ainda está por vir, de recuperar o que guardo, e do que é ainda de algum modo só projeção. Mas, estranhamente, não me fazem ficar enterrada no que era, nem me furtar do presente ao que virá. De verdade, fazem com que me sinta viva, mais e mais!

23.7.09

Limítrofe

Meu colesterol está limítrofe. Fiquei bestinha com o resultado dos exames. Bom, mas limítrofe é bem como tenho me sentido. Tô chegando perto de terminar o mestrado, tô pertinho dos trinta, acabando umas coisas, perto de começar outras. Meus pais ainda acolhem a filha deles em sua casa (eu!), e chegou o momento em que nossas relações de pais e filha vão ficando absurdas pro que tô querendo ser... chegou aquele momento em que a despedida do ninho, só em planos desconexos, já é tardia.
Tô menos distraída, tô ficando mais teimosa, o universo achou de não girar mais em torno de mim, não tá mais se encarregando das minhas coisas: "toma que o filho é teu". Tô cobrando coisas do meu namorado, tô me apegando mais à família e aos amigos, tô com medo de engarrafamento, a comida de casa é a melhor do mundo, e tantas vezes me pego surpresa que meus sobrinhos tão crescendo muito rápido. A literatura passou a ser uma companhia, as coisas não estão boas do jeito que são e o que antes era tão importante agora nem tá mais na minha lembrança. Aprendi que existe mais de um tipo de colesterol, que tem o bom e o mau. E tô indo ali na praça não é pra bater papo com as amigas, nem pra passear, é pra caminhar e tentar fazer baixar o danado do colesterol!

9.7.09

Bom, voltei por aqui. Passagem rápida, em respeito aos meus leitores, que posso contar nos dedos da mão, mas que vêm por aqui, mesmo a despeito da raridade dos meus posts. Escrevo tão pouco que vou chamá-los de visitantes mesmo, principalmente aquela borboletinha que sobrevoa sempre por aqui, mais do que eu mesma!
Quero falar pra vocês sobre uma recente descoberta que realizei, e que esta descoberta aqui, vocês já empreenderam faz uns 10, 15 anos (apesar de que a faixa entre nossas idades reais são bem menores que isso). Portanto, não pretendo que seja nenhuma lição.
Mas lá vai: hoje, revelou-se pra mim claro como a luz do sol que jamais viverei um relacionamento de verdade, se eu não abrir mão de estar certa, de me sentir justa e justiçada, de exigir confissões, de sair por cima, de estar no controle, enfim. Ah, desconfio que o mesmo também vale para o meu companheiro. Sobre isso já li, ouvi, inclusive estudei. Mas só agora iniciou minha descoberta. Como fazer isso - por falar em descobrimento - são outros 500. Mas já tenho algumas pistas. Por exemplo: deixar certas coisas "pra lá", mas deixar pra lá de verdade.

20.6.09

"A dor é de quem tem"



Não sei sentir bonito a minha dor, não sei senti-la leve. Tampouco sei o que fazer com ela, dor que não se transforma, que só desaparece, reaparece, se renova. Porém sei o que desejo. Desejo dividi-la, dor que é só minha. Não. Dividir não. Ela é só minha e compreensão não bastaria. Quero mesmo incorporá-la, espalhá-la e empestar tudo de seu cinza. Se ela não se transforma, pois bem: tudo se transformaria então nela, até que nada restasse fora de sua lógica unívoca.

8.6.09

Tem dias que fico assim... querendo outra coisa. Querendo mais algo das pessoas, ou que elas não tivessem feito como fizeram, ou que me entendessem sem que eu precisasse explicar. Fico querendo mais tempo e ao mesmo tempo querendo descobrir outra coisa pra fazer com o tempo que tenho. Querendo talvez ser outra. Pudesse eu ver dum jeito diferente por uns instantes, trocar a versão das coisas. Pudesse eu trocar de carcaça, de vez em quando, trocar de voz. Tem coisas passadas que rumino pra fazer sei lá o quê com elas. Outras que tenho medo de que eu deseje que aconteçam. Umas ainda que eu preferia simplesmente esquecer. Mas tem coisas que vou me acostumando. E outras vou querendo que fiquem assim mesmo. Mas essas, será que eu deveria mesmo querer assim: que ficassem como estão?

3.6.09

O que me mostram os insetos

"Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la." Clarice.

O micro e o nano me fascinam. Dá pra perceber, né? A imagem de entrada do blog é linda, não é? É do pesquisador Michael Oliveri, fotógrafo do nanomundo, que gentilmente me deu a autorização de usar a imagem aqui. Preste bem atenção na imagem... ela lembra o quê?

Menos longe com a lente de aumento, tive uma experiência particular com insetos. Aconteceu quando estava numa cidade do interior do Ceará, no início deste ano. Segue o relato:

No curto e solitário trajeto da parada de ônibus ao hotel, na inocente penumbra da madrugada, cruzei com uma aranha caranguejeira. Ela caminhava despreocupadamente diante da casa amarela que antecede a pousada. A raridade da luz não permitiu que eu identificasse logo o que se deslocava mansamente, e com propriedade, entre um jarro e outro de flores que se dispunham alegremente na calçada da vizinha. Era do tamanho de um rato, mas caminhava sem pressa naquele território que era seu. Ao identificá-la, não me atrevi a sentir medo, apenas a respeitei sem qualquer alarde, nem mesmo íntimo. Continuei meu caminho. O medo esperou pra se manifestar quando tirei um cochilo, em forma de sonhos (que não se fizeram pesadelos, como costuma me acontecer). Interpretações à parte, no sonho, eu enfrentava duas delas no chuveiro atacando-as com aquela água congelante em que sou forçada pela manhã. Duas horas mais tarde, após contar o caso pra dona da pousada (ocultando a parte do sonho, claro), e enquanto eu catava dois desesperados besourinhos que haviam migrado a contragosto deles e meu do açúcar pro meu café com leite, eu tomaria conhecimento de que, aqui, aranhas caranguejeiras são denominadas simplesmente “caranguejos”, e que eles “avisam chuva”. Mas não creia que a pequena fauna deste município se manifesta aos forasteiros aos poucos. Ora, se na semana passada tentei inutilmente me contrapor à invasão das formigas voadoras com uma armadilha improvisada, hoje a área de refeições da pousada recebeu uma generosa visita de moscas: mosquinhas, moscozotes e moscoilas bem negras, decididas e brilhantes. Se eu demorasse mais a tomar a atitude de cobrir meu copo cheio, teria perdido a chance de experimentar o suco de manga. Algumas horas mais tarde, ficaria sabendo empiricamente que o mesmo acontecia também em vários pontos da cidade: enquanto “subíamos a ladeira” depois da aula, eu e mais duas alunas tivemos que atravessar uma inflexível nuvem delas que se dispunham em frente à prefeitura. Semana passada elas eram raras, apesar de que uma, meio transtornada, e por pura infelicidade dela e minha, foi encontrar o fim de seus dias no restinho do meu almoço, na verdade um caldinho. Enquanto eu me levantei para me munir de uma colher, a danada foi mais ligeira, e na sua insanidade suicida, foi ao encontro do meu caldo de picadinho de carne e feijão. Minha amadora inspeção já permitiu apressar um dado: que os insetos que vivem nesta cidade não se mostraram, em nenhum momento, fugidios, neuróticos, tampouco inseguros de frequentar os espaços públicos ou privados do meio. Nota: alguns aceitam a expulsão com resignação, ao passo que outros não arredam o pé de onde estão. Mas todos ensinaram-me que aqui é lugar pra eles, talvez pra outros, mas, quem sabe, pra mim. Quem sabe. Que vida, essa. Já estava tendo dificuldade em aceitar a idéia de que sou uma partícula de um grão de areia no universo humano, e agora mais essa. E por fim, ao que parece, eles sabem “avisar”. A chuva ainda não veio. Certamente os caranguejos avisam com certo prazo de antecedência. Depois posso relatar com precisão os números. Enquanto isso, fico me perguntando: quem será que se manifestará amanhã?

31.5.09

Maria-vou-com-as-minhas

Não sou Maria-vai-com-as-outras mas sou, declaradamente, Maria-vou-com-as-minhas. É que ouço minhas amigas, no mínimo. Posso ouvi-las, e demorar a escutá-las. E, se de fato consigo escutá-las, é quando estou com sorte. Mas não é tão simples. Com cada uma delas, tenho uma história. Fizemos coisas juntas, e isso é determinante. Então escutá-las é também quando as palavras não são ditas, é quando vivo com elas histórias, de perto ou de longe. Porque as admiro e porque compartilhamos histórias sou, por escolha e por amor, essa grande Maria-vou-sim-com-elas. Elas sabem bem do mapa das minhas ruas, com as sinalizações, buraquinhos e buracões que têm nelas, e compreendem que o mapa muda. Elas me extrapolam, me desafiam, contornam meus caminhos. É assim: eu preciso delas. Elas me dão graça e inspiração: em Por favor, alguém segure o meu cérebro ou... a Luciana fala de dentro e fora. Isso me inspira e me faz pensar nelas: elas me puxam pra dentro, e me puxam pra fora. Maria-vou-feliz-com-elas porque elas seguram na minha mão mas não me conduzem a lugar nenhum!

26.5.09

Pretérito imperfeito

Seria tu aquele que me daria colo, alento. Seria tu meu contador de fábulas de brilhar olhos. Nelas, seria sempre tu meu eleito – dar-te-ia todo cuidado que descobriria ser eu capaz de prover. E também eu te contaria histórias que poderíamos ser, colorindo de fantasia um amor que seria. Mas eu quis acabar com isso, quando levei a dúvida ao extremo. Sim, sinto uma falta... sinto uma falta. Do abraço ausente. Do refúgio que foi teu quarto. E agora, me pergunto: quem te dá alento? quem te dá cuidado? quem te diz: "estou aqui do teu lado"? Queria te contar uma esperança que começasse no café doce e terminasse com o sono noturno interrompido. Diria: vem aqui, acalma-te: vai passar. Mas já não posso, já não posso.

4.3.09

Um texto importante

Quero publicar um texto importante, com um estilo perfeito. Cada palavra impecavelmente posicionada, frases não muito grandes, orações coerentes, com sujeito oculto e concordância de número. Dotado de um misterioso encadeamento de idéias, concebível somente por alguém que detivesse o pleno domínio da língua, não só da língua portuguesa, mas de toda a linguagem humana, verbal e não-verbal. Um texto risonho, esperançoso, jovial, mas, que, longe de ser piegas, traga o peso da verdade, uma verdade velada, que requer um cuidadoso trabalho de interpretação. Que faça cada leitor, após muito empenho dizer um dia: “aaah!”, e conclua algo que para o seu colega é completamente equivocado. Que traga tantas verdades, de modo que faça dele vivo, e que inspire muitas realidades, fazendo com que o texto em si seja uma realidade muito mais... real. Mas que tudo não seja prontamente aplicável, e que esteja à margem e à frente de meu tempo, que esse texto faça de mim um incompreendido, por todo esse... por todo esse mundo imoral, pós-moderno, fragmentado, imediatista, pela Igreja Católica, pelos norte-americanos, pelas multinacionais, pelo Greenpeace. Ninguém havia compreendido o pensamento daquele gênio. Que o texto inspire estados múltiplos em toda a gente: revelação, ódio, dor, confusão, esperança. “Esse texto mudou minha vida. Antes, eu sofria de pedras nos rins, e aí...”. Que diferentes gerações, que diferentes gêneros sintam-se contemplados nos versos. Que seja o tema de uma revolução e inspire um novo tempo. Tudo com uma certa dose de humor também. Que me convidem para entrevistas, a Marília Gabriela e o Jô Soares. Que diferentes trechos do texto sejam postumamente usados para prefácios, epígrafes, lápides. Que esse único texto inspire teses de doutorado, que declarem que, mesmo após quatro anos de profundos estudos, ainda não foi possível esgotar toda a genialidade nele contida. Que busquem minha biografia, minha árvore genealógica, meu pequeno diário, meu contexto histórico, minhas influências, minhas fotos de infância, mas que a fonte da originalidade permaneça um mistério. E que um belo dia, alguém descubra que tudo o que eu fiz foi uma pesquisa no Google, e depois um Ctrl+C, Ctrl+V.

Meu querer

O que sinto por ele não pode ser amor. Amar é atravessar a porta do céu, para viver no eterno, saltitando com querubins. Amar é estar em paz com tudo, a morte do desejo, a serenidade, o fim. Comigo definitivamente é tudo de outra ordem.

Querer meu bem é viver em pecado absoluto: uma gula pra não se acabar mais. Cobiço todo ele. Invejo seu corpo, a ponto de querer unir o meu ao dele. Egoísta, quero tê-lo todo, em busca de minha impossível paz. De ponderar, sou incapaz.

Tenho ciúmes de sua ex-namorada. Se minha vó tem ciúmes da Patrícia Pillar, eu tenho ciúmes da Mallu Magalhães. Ela é forçada, bebebê, bababá (não sei o que minha vó tem a dizer da Pillar).

Mas há uma racionalização em todo esse querer. Tudo que faço é pra tê-lo mais e mais. Esse querer dói, ele não é paz.

Sobre a saudade de escrever

A fonte parece esgotada
O vazio cresce, afogando em agonia
a vocação inócua que queria despontar
Sinto falta de uma íntima noitada
desfiando frases, repartindo
e repetindo uma palavra
pra amarrar noutra recém-chegada
em definitivo num nó
que logo poderia ser desfeito,
Pra se unir em novidades
E fazer ficar bonito
o que fazia entender a mim só.

Se me dissessem que bastava
redigir freneticamente ao acaso
pra desembaraçar palavras de um mote
e fazer descortinar um novo sentido
por horas poderia desenhar mil vezes as letras
Só pra me devolver o prazer
de tecer de novo um texto vivido.

Mas isso pode?
Ser preciso sacrificar um ingênuo prazer
Pra voltar à materialidade?

Resta então o pessimismo
E outra coisa que vou declarar agora:
Saudade, isso sim é que é saudade
E como dói,
Muito como qualquer dor
que eu pudesse ter delatado
nos versos do ano passado.

19/02/2009

Retalhos

Meu riso torto é do meu pai
Meu jeito distraído é pra não esquecer da família
Meu andar de certeza
é minha dúvida contínua
Meu reflexo no espelho
passa pelos olhos das minhas amigas

Faço caras e bocas
Sou cheia de manias
Não deixo de ser dura
Tenho palavras preferidas
que só quando dá é que rimo
e outras que recrimino
Obviedade é uma
Porque não tenho rotina
essa que meu dia coaduna

Só faço aquilo que desejo
Enquanto me ocupo do que não gostaria
Gosto de abraço e beijo
De olhar o umbigo e o espaço
Faço mimos pro meu amado
Porque assim é bom, eu acho
Se com preguiça, o tempo passo
De mãos atadas não fico
A culpa em mim se afirma
Porque sempre a rechaço

Na minha continuidade serena
Minha idéia se impacienta
Não gosto de espalhar isso
Não pra fazer esconderijo
É que certas coisas eu não digo
São melhor guardadas comigo
Se assim eu agüento

Conheço muita gente
Mas dentro de uma casa
Não pode ter todo mundo
Mas que lástima, não ter tudo
Ainda bem
Porque não gosto de barulho
Sou assim mesmo quieta
E ainda sim, por aí luto
Porque não se pode ficar parada
Pena não ser tudo
Quando não se pode ser nada

Quase sou corajosa
Quase me faço entender
Dessas coisas,
Umas quase posso fazer
E outras, só queria mesmo ser
Quase quero ser disso diferente
Quase comigo faço desfeita
Mas não sou desfeita
De retalhos sou inteira

Se não houvesse despedidas

Ah, se eu pudesse
fazer de ti minha única realidade
te apreenderia por inteiro
e excluiria o antes e o depois,
só não o meio.

As expectativas se esgotariam.
Os momentos que antecedem nosso encontro
simplesmente não existiriam.
Saudades, também, nem pensar
e as despedidas nunca teriam lugar.

E assim, o fim seria.
O fim seria engolido pelo começo.
E o amor, como possibilidade lógica,
morreria,
por overdose de exagero.
(04.12)

Vou junto

Não vou dizer que te amo,
essas coisas assim.
Não vou cantar música,
nem apontar feito besta pra lua.

Vou dizer a um só tempo
uma declaração nua:
Quando tu for embora,
não vou ficar aqui –
vou junto também.

E me antecipo,
se acaso perguntar –
Explicar, eu não sei,
mas vou tentar descrever:
não é pedido, nem projeto,
ultrapassa uma escolha,
e não espera consentimento.

A culpa não é minha.
Claro... nem é tua.
Eu não vou mais longe:
Quando tu for embora,
não fico bem aqui,
vou também junto.
Tá determinado,
dito e declarado
e ponto.

>10.nov.2008<

A criação

E por que é que não cessamos de construir as coisas? Por que é que nossa humanidade faz de nós inexoráveis criadores? Prefiro a explicação de que criar é lidar com a angústia de nossas perdas. E que perdas são essas? São tudo. Nossa condição é, desde sempre, de perdedores. Formamo-nos desta perda, ou antes, é isso que nos torna humanos.

Nalgum longínquo momento, tudo nos é retirado de uma vez por todas. Ademais, qualquer outra perda é reminiscência deste marco, ou bem, desta marca. A própria História é o grande conto das quedas de edifícios de certezas.

Para finalizar este pequeno argumento: tentemos encontrar com atenção aquilo que verdadeiramente ganhamos, seja na história de cada um, seja no empreendimento de toda a humanidade: Que ganhamos? Empreendamo-nos nesta busca, e retornaremos de mãos vazias.

Então é isso: criar é escamotear nossa condição. Mas nossa condição é ainda essa mesma: a de fazer, a de construir, sempre e todo o tempo.

Porque, no fundo, são essas coisas que podem abrir um feixe de imaginação na obviedade que deixamos ser feita da vida. Ora, escrever a partir da própria experiência, isto é, transcrever os rumos das próprias ações no papel, é capturar uma fotografia de si mesmo.

A posição dos atores que sabem que serão fotografados é determinada pelo pressuposto da fotografia. Os personagens se posicionam de um modo ou de outro diante da máquina fotográfica porque sabem que estão diante dela. Claro que a câmera pode flagrar – se for rápida – o momento em que estão se preparando para a foto, mas a posição dos personagens na fotografia é sempre colada ao seu pressuposto.

Pois bem. Quiçá, meu mundo mereça uma fotografia. Daí que meu escrito pode ser também pressuposto da minha ação. A personagem tentará se posicionar como queria aparecer, muito embora, claro, não possa ter controle da autonomia própria de seu corpo.

Breve esclarecimento: Invenção não é mentira. É criação, enfim, é aquilo que traz o humano para cá, de volta à sua inteira condição.

Manhã de 20/mar/2008

Enfim, meu blog

Foi o que decidi fazer hoje: materializar um espaço onde eu possa publicar minhas criações. E por falar em criar, estou sentindo uma dificuldade especial agora.
O propósito agora é introduzir. O problema é que não estou acostumada com a idéia de escrever diretamente aqui: escrever publicando. Mas o problema é só e precisamente este. Não venho levantar toda a importância do papel e da caneta, porque pra mim não são tão importantes, faz algum tempo. O problema é precisamente escrever para o público, nem que seja um público reduzido, mas convenhamos, são novas possibilidades: a fronteira do particular foi rompida - potencialmente, pelo menos. E já que vou publicar, nada mais conveniente que azucrinar amigas, amigos, familiares, etc., para fuxicarem o que tem aqui. Mas há sempre a possibilidade de um leitor desconhecido. E então meu microcosmo passaria a ser o quê? Um intercosmo?