20.6.09

"A dor é de quem tem"



Não sei sentir bonito a minha dor, não sei senti-la leve. Tampouco sei o que fazer com ela, dor que não se transforma, que só desaparece, reaparece, se renova. Porém sei o que desejo. Desejo dividi-la, dor que é só minha. Não. Dividir não. Ela é só minha e compreensão não bastaria. Quero mesmo incorporá-la, espalhá-la e empestar tudo de seu cinza. Se ela não se transforma, pois bem: tudo se transformaria então nela, até que nada restasse fora de sua lógica unívoca.

8.6.09

Tem dias que fico assim... querendo outra coisa. Querendo mais algo das pessoas, ou que elas não tivessem feito como fizeram, ou que me entendessem sem que eu precisasse explicar. Fico querendo mais tempo e ao mesmo tempo querendo descobrir outra coisa pra fazer com o tempo que tenho. Querendo talvez ser outra. Pudesse eu ver dum jeito diferente por uns instantes, trocar a versão das coisas. Pudesse eu trocar de carcaça, de vez em quando, trocar de voz. Tem coisas passadas que rumino pra fazer sei lá o quê com elas. Outras que tenho medo de que eu deseje que aconteçam. Umas ainda que eu preferia simplesmente esquecer. Mas tem coisas que vou me acostumando. E outras vou querendo que fiquem assim mesmo. Mas essas, será que eu deveria mesmo querer assim: que ficassem como estão?

3.6.09

O que me mostram os insetos

"Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la." Clarice.

O micro e o nano me fascinam. Dá pra perceber, né? A imagem de entrada do blog é linda, não é? É do pesquisador Michael Oliveri, fotógrafo do nanomundo, que gentilmente me deu a autorização de usar a imagem aqui. Preste bem atenção na imagem... ela lembra o quê?

Menos longe com a lente de aumento, tive uma experiência particular com insetos. Aconteceu quando estava numa cidade do interior do Ceará, no início deste ano. Segue o relato:

No curto e solitário trajeto da parada de ônibus ao hotel, na inocente penumbra da madrugada, cruzei com uma aranha caranguejeira. Ela caminhava despreocupadamente diante da casa amarela que antecede a pousada. A raridade da luz não permitiu que eu identificasse logo o que se deslocava mansamente, e com propriedade, entre um jarro e outro de flores que se dispunham alegremente na calçada da vizinha. Era do tamanho de um rato, mas caminhava sem pressa naquele território que era seu. Ao identificá-la, não me atrevi a sentir medo, apenas a respeitei sem qualquer alarde, nem mesmo íntimo. Continuei meu caminho. O medo esperou pra se manifestar quando tirei um cochilo, em forma de sonhos (que não se fizeram pesadelos, como costuma me acontecer). Interpretações à parte, no sonho, eu enfrentava duas delas no chuveiro atacando-as com aquela água congelante em que sou forçada pela manhã. Duas horas mais tarde, após contar o caso pra dona da pousada (ocultando a parte do sonho, claro), e enquanto eu catava dois desesperados besourinhos que haviam migrado a contragosto deles e meu do açúcar pro meu café com leite, eu tomaria conhecimento de que, aqui, aranhas caranguejeiras são denominadas simplesmente “caranguejos”, e que eles “avisam chuva”. Mas não creia que a pequena fauna deste município se manifesta aos forasteiros aos poucos. Ora, se na semana passada tentei inutilmente me contrapor à invasão das formigas voadoras com uma armadilha improvisada, hoje a área de refeições da pousada recebeu uma generosa visita de moscas: mosquinhas, moscozotes e moscoilas bem negras, decididas e brilhantes. Se eu demorasse mais a tomar a atitude de cobrir meu copo cheio, teria perdido a chance de experimentar o suco de manga. Algumas horas mais tarde, ficaria sabendo empiricamente que o mesmo acontecia também em vários pontos da cidade: enquanto “subíamos a ladeira” depois da aula, eu e mais duas alunas tivemos que atravessar uma inflexível nuvem delas que se dispunham em frente à prefeitura. Semana passada elas eram raras, apesar de que uma, meio transtornada, e por pura infelicidade dela e minha, foi encontrar o fim de seus dias no restinho do meu almoço, na verdade um caldinho. Enquanto eu me levantei para me munir de uma colher, a danada foi mais ligeira, e na sua insanidade suicida, foi ao encontro do meu caldo de picadinho de carne e feijão. Minha amadora inspeção já permitiu apressar um dado: que os insetos que vivem nesta cidade não se mostraram, em nenhum momento, fugidios, neuróticos, tampouco inseguros de frequentar os espaços públicos ou privados do meio. Nota: alguns aceitam a expulsão com resignação, ao passo que outros não arredam o pé de onde estão. Mas todos ensinaram-me que aqui é lugar pra eles, talvez pra outros, mas, quem sabe, pra mim. Quem sabe. Que vida, essa. Já estava tendo dificuldade em aceitar a idéia de que sou uma partícula de um grão de areia no universo humano, e agora mais essa. E por fim, ao que parece, eles sabem “avisar”. A chuva ainda não veio. Certamente os caranguejos avisam com certo prazo de antecedência. Depois posso relatar com precisão os números. Enquanto isso, fico me perguntando: quem será que se manifestará amanhã?