4.3.09

Um texto importante

Quero publicar um texto importante, com um estilo perfeito. Cada palavra impecavelmente posicionada, frases não muito grandes, orações coerentes, com sujeito oculto e concordância de número. Dotado de um misterioso encadeamento de idéias, concebível somente por alguém que detivesse o pleno domínio da língua, não só da língua portuguesa, mas de toda a linguagem humana, verbal e não-verbal. Um texto risonho, esperançoso, jovial, mas, que, longe de ser piegas, traga o peso da verdade, uma verdade velada, que requer um cuidadoso trabalho de interpretação. Que faça cada leitor, após muito empenho dizer um dia: “aaah!”, e conclua algo que para o seu colega é completamente equivocado. Que traga tantas verdades, de modo que faça dele vivo, e que inspire muitas realidades, fazendo com que o texto em si seja uma realidade muito mais... real. Mas que tudo não seja prontamente aplicável, e que esteja à margem e à frente de meu tempo, que esse texto faça de mim um incompreendido, por todo esse... por todo esse mundo imoral, pós-moderno, fragmentado, imediatista, pela Igreja Católica, pelos norte-americanos, pelas multinacionais, pelo Greenpeace. Ninguém havia compreendido o pensamento daquele gênio. Que o texto inspire estados múltiplos em toda a gente: revelação, ódio, dor, confusão, esperança. “Esse texto mudou minha vida. Antes, eu sofria de pedras nos rins, e aí...”. Que diferentes gerações, que diferentes gêneros sintam-se contemplados nos versos. Que seja o tema de uma revolução e inspire um novo tempo. Tudo com uma certa dose de humor também. Que me convidem para entrevistas, a Marília Gabriela e o Jô Soares. Que diferentes trechos do texto sejam postumamente usados para prefácios, epígrafes, lápides. Que esse único texto inspire teses de doutorado, que declarem que, mesmo após quatro anos de profundos estudos, ainda não foi possível esgotar toda a genialidade nele contida. Que busquem minha biografia, minha árvore genealógica, meu pequeno diário, meu contexto histórico, minhas influências, minhas fotos de infância, mas que a fonte da originalidade permaneça um mistério. E que um belo dia, alguém descubra que tudo o que eu fiz foi uma pesquisa no Google, e depois um Ctrl+C, Ctrl+V.

Meu querer

O que sinto por ele não pode ser amor. Amar é atravessar a porta do céu, para viver no eterno, saltitando com querubins. Amar é estar em paz com tudo, a morte do desejo, a serenidade, o fim. Comigo definitivamente é tudo de outra ordem.

Querer meu bem é viver em pecado absoluto: uma gula pra não se acabar mais. Cobiço todo ele. Invejo seu corpo, a ponto de querer unir o meu ao dele. Egoísta, quero tê-lo todo, em busca de minha impossível paz. De ponderar, sou incapaz.

Tenho ciúmes de sua ex-namorada. Se minha vó tem ciúmes da Patrícia Pillar, eu tenho ciúmes da Mallu Magalhães. Ela é forçada, bebebê, bababá (não sei o que minha vó tem a dizer da Pillar).

Mas há uma racionalização em todo esse querer. Tudo que faço é pra tê-lo mais e mais. Esse querer dói, ele não é paz.

Sobre a saudade de escrever

A fonte parece esgotada
O vazio cresce, afogando em agonia
a vocação inócua que queria despontar
Sinto falta de uma íntima noitada
desfiando frases, repartindo
e repetindo uma palavra
pra amarrar noutra recém-chegada
em definitivo num nó
que logo poderia ser desfeito,
Pra se unir em novidades
E fazer ficar bonito
o que fazia entender a mim só.

Se me dissessem que bastava
redigir freneticamente ao acaso
pra desembaraçar palavras de um mote
e fazer descortinar um novo sentido
por horas poderia desenhar mil vezes as letras
Só pra me devolver o prazer
de tecer de novo um texto vivido.

Mas isso pode?
Ser preciso sacrificar um ingênuo prazer
Pra voltar à materialidade?

Resta então o pessimismo
E outra coisa que vou declarar agora:
Saudade, isso sim é que é saudade
E como dói,
Muito como qualquer dor
que eu pudesse ter delatado
nos versos do ano passado.

19/02/2009

Retalhos

Meu riso torto é do meu pai
Meu jeito distraído é pra não esquecer da família
Meu andar de certeza
é minha dúvida contínua
Meu reflexo no espelho
passa pelos olhos das minhas amigas

Faço caras e bocas
Sou cheia de manias
Não deixo de ser dura
Tenho palavras preferidas
que só quando dá é que rimo
e outras que recrimino
Obviedade é uma
Porque não tenho rotina
essa que meu dia coaduna

Só faço aquilo que desejo
Enquanto me ocupo do que não gostaria
Gosto de abraço e beijo
De olhar o umbigo e o espaço
Faço mimos pro meu amado
Porque assim é bom, eu acho
Se com preguiça, o tempo passo
De mãos atadas não fico
A culpa em mim se afirma
Porque sempre a rechaço

Na minha continuidade serena
Minha idéia se impacienta
Não gosto de espalhar isso
Não pra fazer esconderijo
É que certas coisas eu não digo
São melhor guardadas comigo
Se assim eu agüento

Conheço muita gente
Mas dentro de uma casa
Não pode ter todo mundo
Mas que lástima, não ter tudo
Ainda bem
Porque não gosto de barulho
Sou assim mesmo quieta
E ainda sim, por aí luto
Porque não se pode ficar parada
Pena não ser tudo
Quando não se pode ser nada

Quase sou corajosa
Quase me faço entender
Dessas coisas,
Umas quase posso fazer
E outras, só queria mesmo ser
Quase quero ser disso diferente
Quase comigo faço desfeita
Mas não sou desfeita
De retalhos sou inteira

Se não houvesse despedidas

Ah, se eu pudesse
fazer de ti minha única realidade
te apreenderia por inteiro
e excluiria o antes e o depois,
só não o meio.

As expectativas se esgotariam.
Os momentos que antecedem nosso encontro
simplesmente não existiriam.
Saudades, também, nem pensar
e as despedidas nunca teriam lugar.

E assim, o fim seria.
O fim seria engolido pelo começo.
E o amor, como possibilidade lógica,
morreria,
por overdose de exagero.
(04.12)

Vou junto

Não vou dizer que te amo,
essas coisas assim.
Não vou cantar música,
nem apontar feito besta pra lua.

Vou dizer a um só tempo
uma declaração nua:
Quando tu for embora,
não vou ficar aqui –
vou junto também.

E me antecipo,
se acaso perguntar –
Explicar, eu não sei,
mas vou tentar descrever:
não é pedido, nem projeto,
ultrapassa uma escolha,
e não espera consentimento.

A culpa não é minha.
Claro... nem é tua.
Eu não vou mais longe:
Quando tu for embora,
não fico bem aqui,
vou também junto.
Tá determinado,
dito e declarado
e ponto.

>10.nov.2008<

A criação

E por que é que não cessamos de construir as coisas? Por que é que nossa humanidade faz de nós inexoráveis criadores? Prefiro a explicação de que criar é lidar com a angústia de nossas perdas. E que perdas são essas? São tudo. Nossa condição é, desde sempre, de perdedores. Formamo-nos desta perda, ou antes, é isso que nos torna humanos.

Nalgum longínquo momento, tudo nos é retirado de uma vez por todas. Ademais, qualquer outra perda é reminiscência deste marco, ou bem, desta marca. A própria História é o grande conto das quedas de edifícios de certezas.

Para finalizar este pequeno argumento: tentemos encontrar com atenção aquilo que verdadeiramente ganhamos, seja na história de cada um, seja no empreendimento de toda a humanidade: Que ganhamos? Empreendamo-nos nesta busca, e retornaremos de mãos vazias.

Então é isso: criar é escamotear nossa condição. Mas nossa condição é ainda essa mesma: a de fazer, a de construir, sempre e todo o tempo.

Porque, no fundo, são essas coisas que podem abrir um feixe de imaginação na obviedade que deixamos ser feita da vida. Ora, escrever a partir da própria experiência, isto é, transcrever os rumos das próprias ações no papel, é capturar uma fotografia de si mesmo.

A posição dos atores que sabem que serão fotografados é determinada pelo pressuposto da fotografia. Os personagens se posicionam de um modo ou de outro diante da máquina fotográfica porque sabem que estão diante dela. Claro que a câmera pode flagrar – se for rápida – o momento em que estão se preparando para a foto, mas a posição dos personagens na fotografia é sempre colada ao seu pressuposto.

Pois bem. Quiçá, meu mundo mereça uma fotografia. Daí que meu escrito pode ser também pressuposto da minha ação. A personagem tentará se posicionar como queria aparecer, muito embora, claro, não possa ter controle da autonomia própria de seu corpo.

Breve esclarecimento: Invenção não é mentira. É criação, enfim, é aquilo que traz o humano para cá, de volta à sua inteira condição.

Manhã de 20/mar/2008

Enfim, meu blog

Foi o que decidi fazer hoje: materializar um espaço onde eu possa publicar minhas criações. E por falar em criar, estou sentindo uma dificuldade especial agora.
O propósito agora é introduzir. O problema é que não estou acostumada com a idéia de escrever diretamente aqui: escrever publicando. Mas o problema é só e precisamente este. Não venho levantar toda a importância do papel e da caneta, porque pra mim não são tão importantes, faz algum tempo. O problema é precisamente escrever para o público, nem que seja um público reduzido, mas convenhamos, são novas possibilidades: a fronteira do particular foi rompida - potencialmente, pelo menos. E já que vou publicar, nada mais conveniente que azucrinar amigas, amigos, familiares, etc., para fuxicarem o que tem aqui. Mas há sempre a possibilidade de um leitor desconhecido. E então meu microcosmo passaria a ser o quê? Um intercosmo?