4.3.09

A criação

E por que é que não cessamos de construir as coisas? Por que é que nossa humanidade faz de nós inexoráveis criadores? Prefiro a explicação de que criar é lidar com a angústia de nossas perdas. E que perdas são essas? São tudo. Nossa condição é, desde sempre, de perdedores. Formamo-nos desta perda, ou antes, é isso que nos torna humanos.

Nalgum longínquo momento, tudo nos é retirado de uma vez por todas. Ademais, qualquer outra perda é reminiscência deste marco, ou bem, desta marca. A própria História é o grande conto das quedas de edifícios de certezas.

Para finalizar este pequeno argumento: tentemos encontrar com atenção aquilo que verdadeiramente ganhamos, seja na história de cada um, seja no empreendimento de toda a humanidade: Que ganhamos? Empreendamo-nos nesta busca, e retornaremos de mãos vazias.

Então é isso: criar é escamotear nossa condição. Mas nossa condição é ainda essa mesma: a de fazer, a de construir, sempre e todo o tempo.

Porque, no fundo, são essas coisas que podem abrir um feixe de imaginação na obviedade que deixamos ser feita da vida. Ora, escrever a partir da própria experiência, isto é, transcrever os rumos das próprias ações no papel, é capturar uma fotografia de si mesmo.

A posição dos atores que sabem que serão fotografados é determinada pelo pressuposto da fotografia. Os personagens se posicionam de um modo ou de outro diante da máquina fotográfica porque sabem que estão diante dela. Claro que a câmera pode flagrar – se for rápida – o momento em que estão se preparando para a foto, mas a posição dos personagens na fotografia é sempre colada ao seu pressuposto.

Pois bem. Quiçá, meu mundo mereça uma fotografia. Daí que meu escrito pode ser também pressuposto da minha ação. A personagem tentará se posicionar como queria aparecer, muito embora, claro, não possa ter controle da autonomia própria de seu corpo.

Breve esclarecimento: Invenção não é mentira. É criação, enfim, é aquilo que traz o humano para cá, de volta à sua inteira condição.

Manhã de 20/mar/2008

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